das paisagens (ir)reais I
ADELINO MARQUES: (das paisagens (ir)reais I e II, bluefog, símbolos)
POUSADA E CLAUSTROS DA LUZ
Tocar os limites da substância. Usar as técnicas do agrimensor. O que existe em erosão e sabedoria nas margens metafísicas do caos e da luz. Registar o inacessível como intimidade futura – elementar, se dirá, quando se regressa para de novo olhar estes grupos de fotografias de Adelino Marques que agora se expõem e desvelam e, porventura, revelam os vestígios mais impenetráveis da fisiologia e da logística da observação como sinónimo e matriz de despojamento contemplativo e desejo.
Nos seus opostos, ou índices, o ilusório é uma linha de impúdica compreensão, uma vibração que nos abraça inclementes em murmúrio crescente, uma poeira audível – e primitiva –, que repartimos para depositar a plenitude da luz na sua avidez.
Na verdade, é de um corpo em trânsito fotográfico, sequestrador de imagens que assim se acolhem para nos mostrar o eco possível do olhar peregrino e que refaz, na sua solidão, todos os sentidos e sentimentos em vibração ancestral e metabólica como dor e respiração.
É em torno da fotografia como observação, mutismo e recatado enlouquecer, que se naufraga nestas imagens. Ou se desagua em síntese juncando o abandono da realidade para assaltar a memória como se dissolvêssemos o olhar durante os sonhos. Ou o que, interdito, parece eterno ou imutável como presságio.
Trata-se de registar algures o que sabemos sepulto ou em ruína e onde repousamos, cruamente, o descarnado do olhar. Registar o que adivinhamos poder germinar e dissipar a inquietação da morte como um utensílio de dúvida, um esboço onde espargir algo que corrói e se partilha transfigurando com a luz subtil que resta das sombras e contemplamos cegos. E cativos da errância.
Adelino Marques, cria um roteiro para o nosso olhar desprevenido. Uma metáfora do fragmento. Quase como se recolhendo palavras avulsas, em asfixia, escrevesse breves poemas e neles, em vigília e furor mensurável, encontrássemos numa clareira o rumo do vento e acolhêssemos, num sussurro, o secreto lugar do mundo. Ou a representação audaz de um pensamento.
No seu ilimitado a fotografia é uma nudez falaciosa, uma duração divina que corrompe com palavras o olhar que borda o espaço onde lavramos derivas e alvoroços. Onde a frescura íntima de uma ideia marulha e pulsa balançando entre os atalhos dos negrumes –, de alvura se trata em ver finalmente em auscultação, lacerando as têmporas, sacudindo os músculos, embriagando o sangue com infinitos abismos ou moradas onde atónitos decompomos os escombros do que sabemos só ter futuro e celeiro, e onde se revela a concussão que no corpo se bifurca entre ressurreição e desfalecimento –, e aí permanece incógnita, mas nutrindo-se com a paciência do eco incerto com que na pele se desenha a passagem das aves, o dedilhar da chuva ou petrificamos, fundindo no olhar, a quietude tempestuosa com que comungamos a escuridão das lágrimas e o percurso do que é apenas reinicio ou evocativa encarnação.
Estes grupos de fotografias simulam antíteses, abalam os vestígios da memória, reabrem olhares extintos. São falésias abruptas onde recuperar a mansidão do que é fugaz e coagula. Adelino Marques faz emergir a beleza num clamor que lacera, densamente, a luz na sua exacta exaustão e alegria. É uma água firme onde lavamos o olhar na sua febre e bramido e onde reconduzimos as feridas e os resquícios desnudos da nossa pobreza como se num albergue soluçássemos de tristeza viciante.
Seguimos as suas imagens como salvação, lacrando no olhar que se esvai um aguaceiro existencial que nos sustenta em agonia. Um pressentimento inefável onde contemplamos o timbre da sua voz em refúgio solar e dádiva e lúcida tormenta.
Na sua contenção e rigor, estas fotografias palpitam a telúrica serenidade primordial, são ressonâncias que afloram o âmago da luz, embravecem o súbito pulso da contemplação – verbo que ilude as passagens da salvação, o louvor dos umbrais onde o olhar alfaia imperecível –, são a claridade que lateja, convoca e gravita silente a gramática mais pura das palavras.
Jorge Velhote, dezembro 2018
POUSADA E CLAUSTROS DA LUZ
Tocar os limites da substância. Usar as técnicas do agrimensor. O que existe em erosão e sabedoria nas margens metafísicas do caos e da luz. Registar o inacessível como intimidade futura – elementar, se dirá, quando se regressa para de novo olhar estes grupos de fotografias de Adelino Marques que agora se expõem e desvelam e, porventura, revelam os vestígios mais impenetráveis da fisiologia e da logística da observação como sinónimo e matriz de despojamento contemplativo e desejo.
Nos seus opostos, ou índices, o ilusório é uma linha de impúdica compreensão, uma vibração que nos abraça inclementes em murmúrio crescente, uma poeira audível – e primitiva –, que repartimos para depositar a plenitude da luz na sua avidez.
Na verdade, é de um corpo em trânsito fotográfico, sequestrador de imagens que assim se acolhem para nos mostrar o eco possível do olhar peregrino e que refaz, na sua solidão, todos os sentidos e sentimentos em vibração ancestral e metabólica como dor e respiração.
É em torno da fotografia como observação, mutismo e recatado enlouquecer, que se naufraga nestas imagens. Ou se desagua em síntese juncando o abandono da realidade para assaltar a memória como se dissolvêssemos o olhar durante os sonhos. Ou o que, interdito, parece eterno ou imutável como presságio.
Trata-se de registar algures o que sabemos sepulto ou em ruína e onde repousamos, cruamente, o descarnado do olhar. Registar o que adivinhamos poder germinar e dissipar a inquietação da morte como um utensílio de dúvida, um esboço onde espargir algo que corrói e se partilha transfigurando com a luz subtil que resta das sombras e contemplamos cegos. E cativos da errância.
Adelino Marques, cria um roteiro para o nosso olhar desprevenido. Uma metáfora do fragmento. Quase como se recolhendo palavras avulsas, em asfixia, escrevesse breves poemas e neles, em vigília e furor mensurável, encontrássemos numa clareira o rumo do vento e acolhêssemos, num sussurro, o secreto lugar do mundo. Ou a representação audaz de um pensamento.
No seu ilimitado a fotografia é uma nudez falaciosa, uma duração divina que corrompe com palavras o olhar que borda o espaço onde lavramos derivas e alvoroços. Onde a frescura íntima de uma ideia marulha e pulsa balançando entre os atalhos dos negrumes –, de alvura se trata em ver finalmente em auscultação, lacerando as têmporas, sacudindo os músculos, embriagando o sangue com infinitos abismos ou moradas onde atónitos decompomos os escombros do que sabemos só ter futuro e celeiro, e onde se revela a concussão que no corpo se bifurca entre ressurreição e desfalecimento –, e aí permanece incógnita, mas nutrindo-se com a paciência do eco incerto com que na pele se desenha a passagem das aves, o dedilhar da chuva ou petrificamos, fundindo no olhar, a quietude tempestuosa com que comungamos a escuridão das lágrimas e o percurso do que é apenas reinicio ou evocativa encarnação.
Estes grupos de fotografias simulam antíteses, abalam os vestígios da memória, reabrem olhares extintos. São falésias abruptas onde recuperar a mansidão do que é fugaz e coagula. Adelino Marques faz emergir a beleza num clamor que lacera, densamente, a luz na sua exacta exaustão e alegria. É uma água firme onde lavamos o olhar na sua febre e bramido e onde reconduzimos as feridas e os resquícios desnudos da nossa pobreza como se num albergue soluçássemos de tristeza viciante.
Seguimos as suas imagens como salvação, lacrando no olhar que se esvai um aguaceiro existencial que nos sustenta em agonia. Um pressentimento inefável onde contemplamos o timbre da sua voz em refúgio solar e dádiva e lúcida tormenta.
Na sua contenção e rigor, estas fotografias palpitam a telúrica serenidade primordial, são ressonâncias que afloram o âmago da luz, embravecem o súbito pulso da contemplação – verbo que ilude as passagens da salvação, o louvor dos umbrais onde o olhar alfaia imperecível –, são a claridade que lateja, convoca e gravita silente a gramática mais pura das palavras.
Jorge Velhote, dezembro 2018